segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O Caso "Cacau Show" e a Questão da Empresa - 4ª Parte


No caso da Cacau Show, duas "crises" foram importantes. Em uma delas, o produto ficou com o preço final acima do que o segmento de mercado se dispunha a pagar, em razão do custo internacional do cacau. Conscientemente de que é o mercado que dita quanto quer pagar (e não há como forçar um produto que está fora da faixa de preço aceitável), a empresa reformulou os produtos, alterando tamanho e composição, sem afetar a qualidade ou sabor, para poder continuar atendendo ao mesmo nicho. Mais uma vez, o que poderia ter sido crise séria para outra empresa, acabou sendo solucionado rapidamente, dada a capacidade de percepção e de adaptação de seu administrador.
Outro momento difícil da empresa ocorreu no verão de 1992. Como é natural e ocorre em todos os verões com produtos à base de chocolate, a venda dos produtos da Cacau Show caiu acentuadamente. O produto parou de rodar no ponto-de-venda e, por causa de sua vida útil, começou a estragar. Um dos princípios de Alexandre é que seu cliente nunca deve perder dinheiro ao trabalhar com a Cacau Show; portanto, todos os produtos deteriorados foram trocados sem qualquer ônus para o varejista.
Até aí era uma situação tradicional de verão, quando, frequentemente, é necessário "colocar dinheiro" na empresa; foi então que a crise se instalou, porque não havia caixa suficiente para cobrir as despesas. Alexandre lembras-se de que havia gasto todo o dinheiro ganho na Páscoa anterior com a compra de equipamentos, sem perceber qual era a hora certa de parar de investir. Tinha aprendido mais uma lição.
Mais uma vez, não ficou parado, reclamando, nem saiu atrás de empréstimos para cobrir as despesas. Ao contrário, buscou oportunidades de longo prazo. Como o fim do ano se aproximava, comprou uma máquina para fazer panetones, e vendeu-os, montou quiosques em feiras de natal para oferecer não só seus chocolates mas também produtos adequados à temperatura do verão, como salgadinhos e sucos, adquiridos de terceiros: ou seja, quando a situação de seus produtos se complicou, a empresa mudou, rápida e temporariamente, sua oferta ao mercado para poder suprir os problemas e sair em boas condições.
Possivelmente, foi nesta ocasião que o empreendedor pensou pela primeira vez em algo que é, hoje, uma uma de suas propostas para o futuro: passar a fabricar, ou pelo menos comercializar, produtos com sazonalidade inversa aos atuais, para não ficar sujeito à inevitável gangorra de vendas inerentes aos produtos "de verão", "de inverno", "de Páscoa", "de Natal" etc.
Essa postura de sentir que há muito o que fazer e muito o que aprender leva Alexandre a não sentir confortável ao ser apontado como um empresário "de sucesso", pois acredita que a Cacau Show encontra-se apenas no primeiro degrau de sua evolução, e a palavra sucesso dá ideia de algo pronto, completo. 
Feitas essas ressalvas, Alexandre não nega que a empresa cresceu e vai bem, o que atribui a fatores técnicos e pessoais.
  • Fatores técnicos: começou a operar dentro de um mercado já estruturado, com grandes fabricantes de produtos industrializados e pequenas empresas produzindo chocolates sofisticados e caros, satisfazendo nichos específicos de consumidores. A Cacau Show veio atender a preço acessível e conseguiu fazê-lo ao adotar o sistema de distribuição direta, que permite reduzir os custos do produto.
  • Fatores pessoais: muito trabalho e empenho; as principais características da empresa são moldadas pela personalidade de seu proprietário, cuja dedicação, esforço e tempo têm estado concentrados no negócio desde a fundação.
Contudo, as mesmas características pessoais que imprimiu à empresa e às quais atribui grande parte de seu rápido desenvolvimento são percebidas por Alexandre como um eventual obstáculo ao crescimento futuro da Cacau Show, se a empresa não amadurecer. Assim como não fica satisfeito ao notar que seus empregados ainda não são tão independentes como gostaria, também o incomoda que a Cacau Show confunda-se com ele; assim, está "preparando o terreno" para que, a curto prazo, possa sair um mês inteiro em férias ou viagens de negócios e estudos, sem que isso cause transtornos à organização.
A Cacau Show está atravessando um período de transição a caminho da profissionalização, iniciada pela mudança de postura do proprietário, que está deixando de ser "paternalista e centralizador" e concentrando-se naquelas funções que são exclusivas e inerentes ao dono do empreendimento, naquilo em que o empresário é, efetivamente, imprescindível. Esse tipo de mudança, contudo, mexe com a cultura da empresa, e está sendo implantado com cuidado, de modo que as equipes não se ressintam e a percebam com essencial, a fim de que a empresa estabeleça bases sólidas para seu contínuo crescimento.

Será que este jovem empresário nunca errou? Será este mais um daqueles casos em que tudo dá certo, de uma forma quase mágica?

Alexandre admite que cometeu erros, fez coisas que agora não faria, tomou decisões que hoje questiona e adotou atitudes sobre as quais tem dúvidas. Entre estas atitudes questionáveis, ele coloca a sua "paixão" excessiva por máquinas, sua ilusão de que uma empresa vai bem se tiver muitas máquinas funcionando. Esta visão já o levou a antecipar compras ou comprar mais equipamentos do que necessário.
O lado negativo dessas compras (que ele mesmo confessa serem "compras por impulso") é que, para fazê-las, várias vezes, foi preciso reduzir o capital de giro da empresa, o que pode ser perigoso.
Por outro lado, embora saiba que poderia ter investido o dinheiro em outras áreas, Alexandre reafirma que sempre fez bons negócios com maquinário, em termos financeiros, e que, na verdade, não se importa em ficar com alguns equipamentos inativos; é mera questão de tempo, e logo o crescimento das vendas fará com que suas máquinas estejam a plena capacidade.
Também, percebe como um erro o fato de ter confundido disponibilidade de dinheiro em caixa com grau de amadurecimento da empresa. Vendo terminar a temporada de vendas da segunda ou terceira Páscoa da Cacau Show com uma boa sobra de caixa, acreditou que a organização estava apta a andar com suas próprias pernas, independentemente de sua presença e orientação constantes. Bastaram quinze dias para que percebesse seu engano e retomasse as rédeas do dia-a-dia da empresa; foi o suficiente também para que sentisse a necessidade de profissionalizar a empresa, sob o risco de a Cacu Show tornar-se, para sempre, uma empresa de um homem só, com todas as desvantagens e limitações inerentes a este conceito.
Até o momento, no entanto, contar a história da Cacau Show ainda é contar a história de Alexandre da Costa que, com 24 anos, demonstra um grau de maturidade incomum às pessoas de sua geração e, com seis anos de atividade empresarial, já tem valiosas recomendações a quem pensa em abrir seu próprio negócio:


  • Ao tomar a decisão de abrir um negócio, o empreendedor deve saber que muito trabalho o espera. Já cansei de ver empresas abrindo e fechando, porque o dono não queria sacrificar alguns finais de semana. Para essas pessoas, um conselho: às quartas-feiras está nas bancas de jornal com todos os concursos públicos disponíveis; compre-o, estude bastante e garanta um emprego com férias anuais de um mês, R$ 13.000,00 de salário e feriados prolongados, vantagens que um pequeno empresário nem sonha auferir no começo do empreendimento.
  • Iniciar uma pequena empresa exige muito tempo e muita energia: é como um embrião que se desenvolve de acordo com a força do seu criador. A recompensa por toda essa energia virá quando você puder notar a satisfação do consumidor com seu produto/serviço e, eu lhe garanto, poucos sentimentos são tão nobres como este.
  • Não existe "negócio da China" ao contrário do que diz a crença popular; o grande "lance" é buscar alguns diferenciais para poder, a cada dia, não somente cativar o consumidor mas encantá-lo.

Nesta linha de raciocínio, qual é o problema de se montar uma pizzaria para viagem ou uma lan house em um um bairro que possua esse tipo de negócio? Nenhum, desde que você tente diferenciar dos concorrentes e nunca se esqueça de ouvir aquele que é sempre tão ignorado: o consumidor.
É também muito importante - eu diria que é fundamental - pensar na estrutura de custos de seu negócio.
Já presenciei verdadeiros absurdos em termos de custo em pequenas empresas. Às vezes, o empresário inclui no custo alguns itens por causa da sua falta de eficiência, e não percebe que isto está inviabilizando seu negócio. Quantas vezes vendi sem qualquer margem de lucro, e até com prejuízo, só para poder mostrar ao meu cliente a força do meu produto e da minha qualidade; afinal, se eu não acreditar no meu produto, quem vai fazê-lo? Deve-se investir em parcerias de futuro, mesmo que o começo não seja do modo idealizamos. Muitos concorrentes me acham louco por operar, às vezes, com preços reduzidos no mercado, mas garanto que a Cacau Show é uma empresa lucrativa; basta saber a hora de plantar e a hora de colher. 
Outro ponto crucial é o direcionamento da energia do empreendedor. Deve-se saber quais são as suas verdadeiras qualidades e trabalhar com afinco sobre elas, deixando serviços menos importantes para pessoas mais "baratas" para a empresa. É como o caso de empresários que gastam uma hora na fila do banco ou em outras tarefas que outras pessoas poderiam perfeitamente fazer.
Eu sei - e muito bem, acreditem - que a microempresa não possui mais de dois níveis hierárquicos (o dono e os outros), o que torna muito difícil delegar funções, pois há tanto para tão poucos fazerem. Mesmo assim, acho importante se trabalhar com isso em mente, de maneira que, conforme a empresa for crescendo, o criador se concentre apenas em questões fundamentais e ligadas ao progresso da empresa.
Enfim, é realmente muito trabalhoso e exaustivo fazer com que uma microempresa cresça e prospere, principalmente nas condições econômicas e sociais em que se encontra nossa nação. Mas, se você não se sente verdadeiramente recompensado por seu trabalho, seja financeiramente, seja socialmente ou como ser humano, e possui uma grande força dentro de você, não se intimide com a situação macroeconômica do país ou outros fatores e monte seu próprio negócio. Eu garanto que você poderá provar logo, logo, o gosto da auto-realização e do sucesso. (Fonte: Gracioso, 1995).    


  
            

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