domingo, 8 de novembro de 2015

O Caso "Cacau Show" e a Questão da Empresa - 3ª Parte


Quando indagado sobre os objetivos da Cacau Show, Alexandre recorda que, de início, tinha um objetivo bastante pessoal que a empresa deveria ajudar a tornar-se viável: queria "auto-afirmar-se, conseguir as coisas pelas próprias forças, conquistar sua autonomia", pois estava com a cabeça cheia de ideias e queria pô-las em prática a seu modo.
Hoje, está consciente de que tanto os objetivos da empresa quanto os pessoais têm de ser constantemente renovados. No que se refere à empresa, os principais objetivos, no momento, são:
  • Reposicionar-se no mercado, colocando-se como uma "indústria de produtos artesanais". Isso significa trabalhar com itens semelhantes aos que as donas-de-casa fazem para aumentar sua renda: bolos, doces, salgadinhos etc.,sem incomodar as grandes empresas, já que não poderia lhes fazer frente, utilizando os canais de venda conhecidos e passando a oferecer-lhes uma variedade maior de produtos a um preço acessível.
  • Passar a fabricar a principal matéria-prima que ainda compra pronta e, assim, reduzir o custo sem prejudicar a qualidade.
Quanto às suas características como empresário, Alexandre considera-se um ótimo comprador. Isto só foi possível, porque aprendeu a ser um bom vendedor; ele sempre soube, intuitivamente, que uma das lições do marketing é vital para qualquer empresa: não é possível vender bem, se não se comprar bem.
Não concorda com o medo das empresas quanto aos custos da manutenção de estoques elevados. Na Cacau Show, pelo menos duas matérias-primas importantes (leite e açúcar) são produtos agropecuários, com safra e entressafra bastante definidas, ocasiões em que os preços oscilam de forma razoavelmente previsível: assim, opta por estocar, comprando na época de safra, o que significa obter preços fixos menores que os da concorrência. Em sua opinião, não adianta guardar dinheiro, aplicando-o a x%, se a matéria-prima sobe x + 1%.
Alexandre reconhece que "pegou gosto pelos estoques" em uma de suas primeiras grandes vendas, quando sofreu o que considera a única ameaça real enfrentada pela Cacau Show: por ser pequeno, teve grandes dificuldades para conseguir o chocolate, essencial a todos os seus produtos, e quase perdeu a oportunidade de vender em uma Páscoa, em que fatura cerca de 40% do total anual.
O crescimento da empresa foi intensivo, pelo menos até agora, pois continua atuando com o mesmo tipo de produto dirigido ao mesmo segmento de mercado; todos os recursos necessários a este crescimento derivaram da própria empresa, coerentemente com sua política de reinvestimento permanente.
A postura pragmática faz com que perceba as dificuldades e crises como fatos rotineiros, pelas quais qualquer empresa, independentemente de seu porte, tem de passar. Aponta o reduzido poder de barganha dos pequenos negócios diante de fornecedores e/ou clientes como um dos obstáculos frequentes e de solução complexa; com relação a isso, está pensando na possibilidade de criar algum tipo de "cooperativa de compras" que reuniria pequenos empresários do setor.
Apesar de ter ideias bastante definidas sobre a condução da empresa, Alexandre não se considera um administrador ideal, sobretudo porque, até o momento, não conseguiu dedicar o tempo que julga necessário para planejar os rumos de seu negócio a longo prazo, tendo-se concentrado no dia-a-dia. Ele sabe aonde quer chegar e como consegui-lo, mas acredita que deveria trabalhar mais com esse tipo de assunto e menos com a rotina.
Coerentemente com essa atitude realista em relação a si e à própria empresa, ele acredita que o principal ponto forte da Cacau Show ainda é a relação produto/mercado, na qual resolveu investir desde o início, ou seja, a empresa chegou ao porte e à situação de hoje em virtude do que chama de seu "senso de oportunidade", que o fez detectar um nicho de mercado onde poderia se posicionar e se defender dos avanços da concorrência.
Alexandre considera que uma linha de produtos com qualidade e preços constantemente adequados aos desejos do mercado, distribuída diretamente ao pequeno varejo, com o apoio de uma estrutura administrativa ágil e enxuta, são os "segredos" da Cacau Show.
No início do empreendimento, da mesma forma como milhares de outros microempresários iniciantes, ele fazia tudo sozinho, o que significa fazer tudo exatamente do seu jeito; conforme foi precisando e podendo arcar com as despesas, foi contratando outras pessoas, mas tudo sendo feito "com a sua cara", com a sua filosofia. Segundo ele, esta não seria, necessariamente, a melhor linha de conduta. Porém, pelo fato de contratar pessoas com pouca ou nenhuma especialização, por razões de custo, o pequeno empresário tem de "formá-las", o que as faz ficarem parecidas com ele em questões profissionais. O lado positivo de se contratar pessoas inexperientes é que elas vêm para a empresa sem vícios adquiridos em empregos anteriores.
A Cacau Show trabalhava com um número reduzido de empregados, o que implicava, até pouco tempo, o acúmulo de tarefas e a indefinição de funções. Preocupado com este assunto, Alexandre definiu com precisão as atividades a serem desenvolvidas em cada cargo, e está consciente de que, se hoje ainda considera normal que eventualmente tenha de dirigir um veículo da empresa em uma situação de emergência, em curto prazo este tipo de atividade deverá ser realizado por um determinado empregado, cujo custo/hora é infinitamente mais barato para a organização do que o tempo do empreendedor.
Outro problema que recentemente a Cacau Show sanou com a compra da nova linha de produção foi a questão da padronização dos produtos, difícil de obter em um processo de produção fortemente artesanal. Com um produto final mais uniforme, a determinação do custo unitário tornou-se mais simples, já que é estipulado para um produto com peso específico e uma proporção fixa e predeterminada entre chocolate e recheio; além disso, melhorou a receptividade por parte do consumidor, que poderia estranhar se, a cada compra, seu bombom favorito estivesse ligeiramente diferente do habitual.
Em um ambiente socioeconômico instável como o brasileiro, é comum que empresas dos mais diversos portes e setores passem por crises mais ou menos sérias, de maior ou menor duração. Alexandre acredita que a empresa pequena, justamente por seu porte reduzido e por sua capacidade produtiva infinitamente menor do que o tamanho da demanda, pode passar incólume pela maioria das crises gerais, desde que o empreendedor esteja preparado. Ele compartilha da opinião de que crise e oportunidade andam lado a lado, e que é uma questão de se saber aproveitar o lado positivo de todas as situações; como por exemplo ocorrido em seu setor, relata ocasiões em que, em virtude da retração da demanda, grandes concorrentes diminuíram suas compras e fornecedores tiveram de dedicar mais atenção aos pequenos fabricantes.

            
  
  

Nenhum comentário:

Postar um comentário